Nelson Graça é um dos membros do grupo ‘Lod Escur' que tem mais de vinte elementos da ilha de São Vicente e também da diáspora. Conscientes das conotações negativas que os Rappers e MC's têm na sociedade actualmente, afirmam ser um dos seus principais objectivos devolver a música rap e hip hop às suas raízes, como um meio transmissor de mensagens, para dar voz a quem normalmente não a tem e expor as fragilidades sociais. Em entrevista ao Expresso das Ilhas o músico e activista social apresenta o projecto de aniversário do grupo: ‘10 One, 10 Album'.
Expresso das Ilhas - Porquê Lod Escur?
Nelson Graça - Temos consciência de que muitas vezes este nome não nos traz muitas vantagens logo à primeira. Muita gente pode associar o nome a algo negativo. Mas escolhemos esse nome porque nas nossas músicas falamos das problemáticas sociais e sabemos que quem as sofre normalmente são as camadas mais desfavorecidas e, muitas vezes, são pessoas à margem da lei, no lado considerado escuro. Decidimos que queríamos ser os porta-vozes dessas camadas que muitas vezes sofrem injustiças, esquecimentos por parte do Governo, por parte do próximo. Queremos ‘desrotular' isso e desmistificar a ideia de que ser da periferia é sempre mau e quem vive desse lado é sempre um bandido. Hoje diz-se que o MC é um bandido, mas a palavra MC significa Mestre-de-cerimónias e não é qualquer bandido que pode ser um mestre-de-cerimónias. E também não é qualquer MC que pode ser bandido porque hoje em dia para ser bandido também é preciso habilidade com a BAC nas ruas, (risos).
Mas tens consciência que muitas vezes os rappers são tidos como pessoas problemáticas ou mesmo marginais?
Sim, e muitas vezes por culpa mesmo dos rappers, que passam uma imagem menos positiva da classe, que tem comportamentos sociais inadequados. Mas é como em tudo, em todas as áreas há pessoas que têm comportamentos correctos e outros que não. O hip hop por ser um género de música maioritariamente feito por pessoas que sofrem preconceitos e são discriminadas, sentem a necessidade de usar dessa ferramenta para ter uma voz. Não querendo justificar comportamentos negativos de alguns, mas sei que são pessoas revoltadas, que não tiveram uma educação ou acompanhamento familiar.
E isso não acontece no teu grupo?
Já aconteceu, porque temos membros de diversas origens: de Fonte Francês, de Maderalzinho, de Ribeira de Craquinha, de Ribeira Bote, de todas as zonas e nem todos tivemos as mesmas oportunidades na vida.
Mas hoje o que buscamos é passar uma imagem geral de que é preciso acreditar, se corrermos atrás dos nossos objectivos é possível fazer algo de positivo e, de alguma forma, tentar gerar um auto-emprego a partir daquilo que fazemos. Temos hoje a consciência de que o hip hop pode ser uma ferramenta para nos afastar de caminhos negativos e dar-nos um auto-sustento. Queremos que os outros jovens se espelhem em nós e nos tenham como exemplos.
Quantos elementos são ao todo?
Já fomos muito mais, cerca de trinta elementos. Mas o grupo sofreu alterações. Neste momento, somos cerca de vinte e dois ou vinte e três. Temos 4 elementos a residir na Holanda, um na Dinamarca, outro em Luxemburgo e o resto aqui em São Vicente, em várias zonas da ilha. Não temos uma hierarquia de importância no grupo, mas para melhor nos organizarmos, tivemos a necessidade de fazer três divisões no grupo: a equipa técnica, que se ocupa da produção das músicas, vídeos e dos trabalhos que fazemos em estúdio, a equipa de produção de eventos e a equipa para contactos com parceiros. Tivemos essa necessidade por sermos muitos e por vezes as coisas não andarem ao ritmo que queremos.
Qual o balanço que faz destes dez anos?
Consideramos que o reconhecimento da parte do nosso público é com certeza uma das mais-valias. Desde o início procuramos sempre uma certa independência, para elaborar, editar os nossos CD's, organizar os nossos eventos e procuramos sustentar a nossa arte. Conforme os eventos que realizamos, adquirimos fundos para custear as nossas actividades. Através do nosso trabalho conseguimos ter o nosso próprio estúdio de gravação que teve um custo total de cerca de trezentos contos, desde cabine de som a equipamentos técnicos.
Fala-me então do vosso Projecto: '10 One, 10 Album'.
Temos dez actividades que não passam apenas por entretenimento. Passam também por formações e workshops. Já vamos a meio, já realizamos palestras na Universidade Lusófona e na Universidade do Mindelo.
Estamos a programar agora workshops, onde pretendemos dotar os jovens de capacidades artísticas e ferramentas para gerarem rendimentos que ao menos possam servir para sustentar a sua arte, porque há custos, é preciso comprar materiais, e quem sabe, se puder ter uma ideia engrandecedora, poder até gerar um lucro daí e abriremos inscrições para breve. Estamos com o décimo álbum prestes a ser lançado, claro, num mercado regional porque é difícil termos uma estrutura e chegar às produtoras. Todas as actividades serão geradas à volta do número dez e o ponto alto ou a cereja no topo do bolo será o último evento que pretendemos que sejam dez horas de actividades, desde música, demonstração de graffiti, torneio de street basket, disco jockeys (DJ's), Video jockeys (VJ's), MC's. Os workshops serão em: artes plásticas, mais propriamente do graffiti, técnicas de escrita, djing, técnicas de gravação e de produção em estúdio e também um workshop em história do hip hop. Serão as ferramentas básicas: mostrar como se faz, ensinar a pescar, mostrar os sítios ideais para a pesca e a partir daí podem ir à luta porque na música ou nas artes em geral, não se pode nunca ensinar tudo. Estamos sempre a aprender.
Tens dois filhos pequenos. Se desejarem ouvir rap e ser rappers quando crescerem será um motivo de orgulho ou terás algum cuidado em filtrar o que podem ou não ouvir?
Bem, hoje em dia, com a Internet e a globalização tem-se fácil acesso a tudo. Então acredito que o processo passe mais pela educação: mostrar aos nossos filhos as vantagens de fazer o positivo e as desvantagens de seguir algo negativo. Se os meus filhos decidirem ser rappers ou ‘graffiteiros', para mim pode ser um motivo de orgulho, desde que falem algo consciente e passem uma mensagem que possa trazer algo de positivo para a sociedade. Hoje queremos mostrar que o hip hop tem uma força enorme, é um veículo de comunicação em que todos os jovens estão abertos a ele, logo, se passarmos só mensagens negativas é uma grande responsabilidade. Podemos, através dele, mover as massas para um caminho de igualdade e justiça e inicialmente para promover a paz e não para fazer a guerra. Queremos trazê-lo de volta aquilo que foi no início porque agora vai a milhas da sua essência inicial. Baseia-se em posses, aquilo que eu tenho e não tu tens, está desvirtualizado. E as pessoas mais velhas que ouvem pensam que o hip hop é isso que ouvem actualmente e não é verdade.
E quais os parceiros que estão convosco neste projecto?
Ainda estamos a correr atrás de parcerias. É um projecto grande, ambicioso e que não está ao nosso alcance se estivermos sozinhos nele. Trabalhamos em parceria com algumas associações locais, nomeadamente a Skibosurf e estamos a organizar já no dia 9 o campeonato de skate, no parque de estacionamento da Enapor. A ADECO também é nossa parceira há mais de um ano, a Strela vai nos dar um grande apoio em duas das actividades, mas, neste momento, estamos a correr atrás de apoios para os workshops, pois queremos trazer pessoas da diáspora com experiência em cada uma das vertentes para que as formações sejam de qualidade e realmente uma mais-valia para os formandos. Quero deixar aqui o apelo para quem lê esta matéria e queira apoiar-nos de alguma forma. Não precisa ser em dinheiro, pode entrar em contacto connhttp://www.blogger.com/img/blank.gifosco e ajudar-nos em material ou em serviços e seria muito bom. Só queremos concretizar o nosso plano.
Mais informações em: lodescur@gmail.com ou pelo número 5947480
In Expresso das Ilhas (expressodasilhas.sapo.cv)
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